É ENGENHEIRO E MEMBRO DO COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, CONSIDERADO O PAI DA INTERNET NO BRASIL
Jornal Impresso O Estado de S.Paulo Opinião
29 de dezembro de 2012 | 2h 05
A internet na versão que conhecemos, que usa o conjunto
de protocolos TCP/IP, completará 30 anos em 1.º de janeiro de 2013,
daqui a poucos dias.
O Departamento de Defesa dos EUA (DoD) havia estabelecido janeiro de 1983 como data-limite da migração da Arpanet para o TCP/IP. E exatamente do nome desse protocolo, Transmission Control Protocol / Internet Protocol, é que derivou o nome da rede toda: internet.
O Departamento de Defesa dos EUA (DoD) havia estabelecido janeiro de 1983 como data-limite da migração da Arpanet para o TCP/IP. E exatamente do nome desse protocolo, Transmission Control Protocol / Internet Protocol, é que derivou o nome da rede toda: internet.
A Arpanet desenvolveu-se com recursos do DoD, o que nos levaria a
pensar em inspiração puramente militar. O que se esquece é que os
envolvidos em sua criação, pesquisadores provenientes da melhores
universidades na área de tecnologia (MIT, UCLA, SRI, UCSB, Utah),
compartilhavam ideias libertárias dos anos 70, como livre cooperação,
compartilhamento e autonomia. E elas se somavam a requisitos de solidez
para o projeto Arpanet, como não haver pontos únicos de falha: "Nada que
tenha um 'centro de controle' é suficientemente resistente em caso de
problema técnico ou de ataque". Chegou-se a uma concepção de rede
distribuída, sem controle central, em que a adesão era espontânea e
voluntária.
Assim nasceu a internet. Sem uma "chave de desligamento" central, sem
um ponto vulnerável específico e sem um "centro de controle", integrada
pelas redes autônomas que aceitassem seguir seus padrões tecnológico,
mas sem terem de abdicar de sua administração própria e específica.
Aliás, a forma de gerar esses padrões é outra característica marcante
e disruptiva em relação ao ambiente de telecomunicações da época. Se a
União Internacional das Telecomunicações definia padrões de telefonia em
reuniões controladas e fechadas, a internet congregava três vezes ao
ano uma comunidade aberta, disforme, sem filiação definida, interessada
em discutir padrões. A difícil busca do consenso dentro da comunidade da
Internet Engeneering Task Force (IETF) é que permitiria a uma proposta
específica subir de nível até chegar, eventualmente, a ser ungida como
padrão proposto. Os documentos que o IETF gera, significativamente, se
denominam RFC, de Request for Comments, ou "pedidos para comentários"...
Outro aspecto tecnológico foi igualmente disruptivo: a rede seria
baseada em "comutação de pacotes", não mais em "comutação de circuitos".
Na prática isso marcava um afastamento essencial da telefonia, na qual
para uma conexão se estabelecer é necessária a definição a priori de um
"caminho" entre originador e destinatário: o circuito. Na internet
qualquer mensagem é quebrada em pacotes que são jogados na rede e seguem
pelos diversos caminhos possíveis e dinâmicos até serem reagrupados no
destino final. Isso, além de aprimorar a solidez da rede, quebrava a
maneira de cobrança da antiga telefonia, definida pela duração e pelo
comprimento do circuito alocado à conexão.
Dez anos após o estabelecimento da internet, outra revolução surgia: a
Word Wide Web (WWW), que estimulou a participação direta e ativa de
todos os internautas no uso e criação de conteúdos, o que tornou
acessível publicar na rede. Os repositórios de informação e de
conhecimento coletivos, as redes sociais e toda a riqueza que vemos
hoje, somados a uma barreira de entrada muito baixa, permitem a qualquer
um, munido de uma boa ideia e de conhecimentos suficientes, propor um
novo serviço na rede.
Esse rompimento com o mundo tradicional das telecomunicações foi
perfeitamente percebido no Brasil. Conectamo-nos à internet em 1991 e já
em 1995 foi criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), não
para regular ou controlar a rede, mas para disseminar seus conceitos e
características, recomendar boas práticas e levantar dados sobre sua
evolução e penetração no País. À época discutia-se a privatização das
telecomunicações e a Anatel, recém-criada como reguladora, já distinguia
claramente Serviços de Valor Adicionado (SVA) de Serviços de
Telecomunicações propriamente ditos. Os SVAs estavam fora de sua esfera
de regulação. O mesmo estabeleceu a Lei Geral das Telecomunicações, em
1997.
A internet no Brasil nascia aberta, livre, não regulada, sem
barreiras de entrada e com uma perspectiva, então ainda não
suficientemente avaliada, de se tornar numa verdadeira revolução, cuja
extensão nem sequer conseguimos avaliar adequadamente 30 anos após seu
estabelecimento mundial. Provedores de acesso surgiram no País do dia
para a noite, conteúdo em português foi rapidamente gerado e em
profusão, os brasileiros aceitaram a rede instantaneamente e em poucos
anos passamos a estar entre os que mais tempo dedicavam a ela.
Na infraestrutura, rede de cobre e coaxiais cederam o passo a redes
ópticas, que trouxeram bandas imensas de transmissão a baixo custo. Se
em 1991 o Brasil inteiro se conectava à internet por uma única linha de
64 quilobits por segundo (Kb/s), hoje esse valor seria inaceitável até
para a conexão caseira de um único indivíduo à rede. A disseminação de
fibra óptica em várias capitais permite modalidades de assinatura de
acesso à rede com velocidades acima de 100 Mb/s por assinante, mais de
mil vezes a conexão do Brasil inteiro em 1991!
Mas nem tudo são boas notícias e a rede tem sido ameaçada. O Comitê Gestor da Internet criou em 2009 um decálogo de princípios que visam a preservar os conceitos que fizeram a internet ser a ferramenta valiosa que é hoje. Um ambiente legal que protegesse a internet e os internautas era necessário: surgiu a proposta de um Marco Civil, com o qual se consolidam os princípios que nortearam sua criação e se busca proteção de direitos como livre expressão e defesa da privacidade. O Brasil, que granjeou admiração mundial pelo decálogo do CGI e por sua gestão da internet, entretanto, demora a aprovar o Marco Civil. Há nuvens no horizonte que podem indicar procelas. Esperemos que o Espírito da Rede sobrenade...
Mas nem tudo são boas notícias e a rede tem sido ameaçada. O Comitê Gestor da Internet criou em 2009 um decálogo de princípios que visam a preservar os conceitos que fizeram a internet ser a ferramenta valiosa que é hoje. Um ambiente legal que protegesse a internet e os internautas era necessário: surgiu a proposta de um Marco Civil, com o qual se consolidam os princípios que nortearam sua criação e se busca proteção de direitos como livre expressão e defesa da privacidade. O Brasil, que granjeou admiração mundial pelo decálogo do CGI e por sua gestão da internet, entretanto, demora a aprovar o Marco Civil. Há nuvens no horizonte que podem indicar procelas. Esperemos que o Espírito da Rede sobrenade...
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